sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A Recoveira

Início do 6º Episódio

Ti’Manel - Olha s’é p’a me pedires desculpa do crime que fizeste ó mê’ João, fica já sabendo que nã’ te perdô, óvites!

Fatecha - À Ti’ Manel, tenha calma consigo, essa agora!

Eu vanho aqui com boas intenções, só lhe queria pedir...

Ti’ Manel – Nã’ me peças nada rapaz, depois do que fizeste ó mê’ filhe nã’ tanhe olhos p’encarar contigo! Puseste o rapaz no hospital c’as costelas partidas, o queres tu mais!… Ãnnnn!, diz lá, nã’ tans boca p’abrires?

Fateixa - Eu compreende o sê’ desgoste Ti’ Manel, mas quero que você saiba do mê’ arrependimento!

Tô a ver que não é a melhor altura p’a falar consigo!

Ti’ Manel - Se calhar, inda queres ter razão, não !

Mas já agora… diz lá o que t’ans p’a dezer, é assim tão importante?

Fateixa - Oiça bem, você sabe, fui sempre amigo do João, e o qu’aconteceu foi um acidente, eu já m’arrependi mil vezes, e pedia-lhe por favor que perguntasse ó João se posso visitá-lo!

Ti’ Manel - O quê... viesse agora mais essa!

Sim senhora, desaparece da ‘nha vista repá’, eu só te quere ver agora, é na frente do doutor juiz, p’a te mandar prender um ano ó dois!

Fateixa – ‘Tá bem, pronte, nã’ s’exalte, o que for, logo se vê!

Agora vô’me embora mas saiba qu’eu quere que saiba, que vim aqui com boas intenções!

Ti’ Manel – D’intenções, intenções ‘tá o mundo chê’!

Pensava que me vinhas dezer quem foi que roubou a recovê’ra que ‘tava na cabana !

Ia apostar à vida que foste tu... eras bem capaz disse! Dê’xa lá que não as perdes!

O Fateixa sentia-se revoltado, não esperava pela agressividade do Ti’ Manel.

As últimas palavras deixou desanimado e, para que o diálogo não chegasse a um tom mais desagradável o Fateixa abandonou o local, regressando a casa.

Mais tarde, contou à sua mãe o diálogo que teve com Ti’ Manel, o que a fez ficar um pouco revoltada.

Joana – Mê’me sére, o Ti’ Manel disse-te isse…à melheres, olha qu’o homem parecia nã’ partir um prate! Ora toma Joana, agarra lá essa agora!

Fateixa - à mãe, eu até compreende que o Ti’ Manel, ele até tem razão, mas ele nã’ me podia falar assim comige. Olha qu’ele até me disse qu’eu roubê’ a recovê’ra da cabana!

Terá ele adivinhado ou alguém lhe disse !

Joana - Que dessetes tu, filhe?

Fateixa – Nã’ disse nada, agarrei em mim e vi-m’embora.

Mas desconfio qu’ele nã’ tem testemunha nenhuma p’a provar isse!

Oiça cá, você chegou a quê’mar a recovê’ra?

Joana – Quê’mê, filhe, foi logo no mesme dia !

O Fateixa saiu de casa. Entretanto, a Joana ficou sozinha, preocupada com a notícia. Sentia-se mal.

Desatou o lenço da cabeça e, com ele, refrescou o rosto.

Pouco depois, fixava a imagem do Senhor dos Passos que tinha em cima do móvel.

Joana - Ai meu rico Senhor, vale-me nesta aflição, o mê’ filhe vai ficar em maus lençóis, s’aquela gente não lhe perdoar!

Eu tanho que desfazer-me daquela recovê’ra, ande aqui enganar o rapaz.

S’ele soubesse qu’a vara ‘tá guardada aqui em casa, fazia-me ólgum inchente, e com muita razão!

Entretanto, a Procissão dos Passos estava para breve. Muitas famílias já estavam com dificuldades financeiras, o que fazia os pescadores lançarem as redes diariamente, mesmo sem sair peixe.

Na manhã seguinte, a Joana colocava ao Sol algumas peças de vestuário numa corda junto à sua casa.

Qual foi o seu espanto, ao reparar que o seu filho corria pela rua, em direção a casa.

Ao aproximar-se, perguntou-lhe:

Joana - Qu’é isse, filhe… Aconteceu ólguma coisa?

Fateixa - Aconteceu sim, o lance norte tirou mais de trinta chalavares de carapau !

Olhe, arranje-me aí a roupa do mar, vamos por a rede n’áuga, no Seprun !

Joana - Graças a Deus, já há pe’xinhe nas redes!

Fateixa - Ande mãe, dê-me a roupa e reze depois! Oiça cá, onde ‘tá o pai?

Joana - O tê’ pai foi ó pinhal, ó’viu dezer que ‘tava um corte p’ós lados de Fanhais.

Só deve chegar mais tarde!

Fateixa - Daqui a bocado vá ó encontre dele, e diga-lhe que se despache. A nossa rede ala antes do Sol posto.

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Na praia, o movimento da faina aumentava. Quase todas as redes saíam com peixe.

A empresa onde o Fateixa trabalha também foi contemplada com uma boa sacada.

A alegria voltava aquela pobre gente desde há muito que precisavam de uma boa recompensa.

O Sol depois de aquecer a praia durante o dia, preparava-se agora para se esconder no horizonte.

Ao serão, em casa da Joana, a família estava reunida. Manuel e o seu filho, o Fateixa, conversavam animadamente, fazendo o balanço da pesca do dia.

A Joana tratava da loiça da última refeição.

O seu pensamento continuava ligado à causa do filho: “Esta noite eu tanhe que dar sumisse à recoveira. Parece que na me sinte bem, com iste em casa! Já pela madrugada, ainda escurecia, a Joana saiu de casa sem ser presenciada. Pouco depois, chegava à praia.

Alguns pescadores já se movimentavam a fim de preparar a faina diária.

A Joana embuçada na capa, não era fácil de ser reconhecida.Pisando o areal, dirigiu-se até à beira mar. De repente, fez um movimento com os braços para depois se dirigir a casa. Momentos depois, chegava o dia.    A Maria da Nazaré descia até à praia, procurando o seu pai, o Zé Besugo.Alguns pescadores conversavam no paredão, gesticulando os braços, indicando que algo se passava diferente. O mar amanheceu agitado, alguns barcos faziam-se ao mar com alguma dificuldade.O Zé Besugo, estava reunido com a sua companha para decidir a próxima largada.

Fim do 6º Episódio

J. B.

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