O Lobisomem
Nazaré, 1930. A candeia de azeite alumiava o serão da família do sexagenário Alberto Peixão, na qual faziam parte a Mariana, de 65 anos de idade, a Augusta, filha de 19 anos de idade e o João, o filho. Todos conversavam animadamente sobre a vida passada e a presente.
O mês de Outubro estava a findar. O Alberto fazia o balanço dos lucros da pesca do período de Janeiro a Outubro.
Alberto – Maria, este Verão foi melhor qu’o ano passado. Até ‘ó Natal ‘inda juntamos alguma coisinha.
A Mariana, mulher habituada ao trabalho árduo e cheia de fé, confirmava as palavras do marido e, levando a mão ao peito, adiantou:
Maria – Nossa Senhora da Nazaré há-de ajudar a gente!
O inverno, tal como a maior parte das vezes, era muito rigoroso. As famílias mais pobres temiam este período do ano. Por vezes, eram surpreendidas com o prolongamento do mau tempo até à Primavera, dificultando ainda mais as suas condições financeiras.
Além da vida simples desta gente, quando não trabalhavam passavam a maior parte do tempo em casa Os mais novos, esses passavam-no na rua mas tinham de regressar a suas casas antes do pôr do sol. Estes só saíam de noite acompanhados pelos familiares ou com pessoas de sua confiança.
A iluminação pública era reduzida e, nem todas as ruas tinham esse bem.
Os pescadores e peixeiras, devido às exigências de sua s vidas, saíam mais vezes durante a noite.
No entanto, a altas horas nem todos andavam tranquilos devido aos boatos que circulavam na vila. Os mais velhos contavam histórias de arrepiar.
Ocasionalmente, nas noites de Lua Nova avistavam um grande vulto, a que deram o nome de Lobisomem.
Para outros, tal vulto não passava de um burro e outras coisas que faziam os mais medrosos recolher a suas casas o mais cedo possível.
No entanto, havia gente que não acreditava nestas visões e, por isso, pouco ligava a estas conversas.
O Alberto Peixão era chamador da empresa onde trabalhava e, sempre que tinha ordens para chamar a companha combinava com outro colega, também chamador, para não saírem sozinhos à rua.
Entretanto, o serão em casa do Alberto já ia longo.
Alberto – Já é tarde. São horas da deita. Amanhã nã’ vô’ ‘ó mar. A companha vai ajudar a pintar o batel, ele ‘tá a precisar.
Vem aí o inverno e é preciso cuidar das coisas enquanto é tempo.
A Mariana escutava o marido e, ao mesmo tempo, lembrava-se de que o dia da lua estava próximo.
Os vizinhos diziam que o lobisomem ia aparecer.
Augusta – Oiça cá mãe, você ta’bém acredita nessas histórias malucas?!
Alberto – Augusta, nã’ digas isse filha. É verdade.
O mê’ irmão viu uma vez um lobisomem e o mê’ pai, já há muitos anos, ta’bém viu muitas coisas estranhas no tempo dele.
Ouve cá... já nã’ te lembras qu’a tu’ mãe viu passadas grandes n’arê’a à entrada da nossa porta, iste no ano passado?
João – Eu ta’bém vi mas, fiquê’ desconfiade.
Só vi duas passadas à entrada.
S’o lobisomem ou animal, andou por aí, devia dê’xar mais sinais na rua, nã’ acha mãe?! Nááá...
Há muitas manê’ras de fazer estas coisas. Sabe que mais... eu nã’ acredite, é tude mentira!
O Alberto nem por nada concordava com os filhos. «Mais vale prevenir do que remediar», dizia ele, num tom calmo.
Alberto – Ouve filha, se fores trabalhar p’ó armazém salgar o pê’xe no dia de Lua Nova, a tu’ mãe vai acompanhar-te p’a nã’ vires sozinha p’ra casa.
A Augusta rejeitava a ideia do pai.
Augusta – Esses cuidados nã’ são precisos, mê pai. As raparigas quando acabam o trabalho saem todas juntas e vão ficando uma de cada vez em su’s casas, compreendeu?
Alberto – Compreendi muito bem. Mas, há sempre uma que vai sozinha.
Olha, sabes ‘nha filha, o seguro morreu de velho. A companhia da tu’ mãe é muito melhor e, além disse, fico mais descansade. És muito nova, ‘tás numa idade p‘rigosa.
É verdade, nã’ terás por aí um namorico? Tem cuidado filha!
Fim do 1º Episódio
J.B.
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